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Thursday, January 26, 2006

Fernando Pessoa

Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.
Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa

Se esquece quem lá está.

Tuesday, January 24, 2006

Assim eu vejo a vida

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

Cora Coralina

Monday, January 23, 2006

Despiste

Faz tempo que a conheço, até ao ponto onde se pode conhecer uma pessoa, é certo. Muito fechada (tipo caixa forte do Banco de Portugal) e de difícil acesso (tipo IC19 em hora de ponta) mas uma vez lá, é muito bom o estar. E ela sabe estar. Comparo-a muitas vezes ao antigo Paris-Dakar, agora Lisboa-Dakar, uma viagem de resistência, artimanhas, percalços e aventura, com um final de sabor incalculável. É preciso atenção dobrada à sua condução, pois ela despistasse algumas vezes e não sabe pedir ajuda, é meio desajeitada e quando faz uma tentativa de, é preciso nós já estarmos conscientes do seu despiste. Escolhe os caminhos mais difíceis, claro. Não leva roadbook, GPS ou cartas militares e fecha os olhos aos conselhos dos mais experientes na matéria, mas escuta-os sempre. Faz hoje 2 dias que se despistou.

Friday, January 20, 2006

Quando o amor chega costuma ser cego, mas quando se vai embora é muito lúcido

"O matrimónio é um trabalho, é uma tarefa. Numa sociedade tão hedonista, parece que desconhecemos um dado essencial: não há amor sem renúncias. O amor é, além disso, alquimia, magia, códigos secretos, cumplicidade, química e feitiçaria. Há uma metodologia do amor conjugal complexa. Se isto se desconhece, rompe-se o matrimónio. Eu não acredito no amor eterno. Acredito no amor que se trabalha pouco a pouco. (...) Há muitos amores que estão construídos com materiais de entulho. E, logicamente, isso não tem futuro.
Sem duvida. Quando o amor chega costuma ser cego, mas quando se vai embora é muito lúcido.
Numa crise conjugal, o matrimónio pode recompor-se. Eu sugiro três notas para o conseguir: voltar a começar; o perdão (dá-lo e recebê-lo) e o seu correlativo: esforçar-se por esquecer; e, em terceiro lugar, lutar para não puxar pela lista de agravos do passado. Não esqueçamos que o mais difícil desta vida é a convivência."
Enrique Rojas

Thursday, January 19, 2006

A Síndrome da Bóia de Salvação

Há alguns dias, perto da passagem do ano, tentava convencer alguém a não o fazer sozinho, apesar da insistência com que afirmava que lhe apetecia estar só.
Depois de alguma reflexão, interroguei-me sobre o direito de cada um de nós estar só, quando muito bem lhe apetecer. Aparentemente não será um direito muito controverso, já utilizado inúmeras vezes por todos nós. Quantas vezes invocámos o ditado popular “antes só que mal acompanhado” para justificarmos uma hora ou uma parte da vida sem relações privilegiadas.
Mas o que estava em causa neste episódio eram as vantagens ou desvantagens de se ficar só numa data com algum peso emocional, quando não se está feliz.
Quantas vezes, estando bem, já nos aconteceu querer ficar sem companhia e ter algum gozo na solidão, imaginando que somos a pessoa mais desgraçada do mundo, chegando a um estado de auto compaixão que tem qualquer coisa de lúdico.
No entanto, passar pela situação de se ficar só quando as coisas já não estão a correr bem não é uma experiência muito agradável. E no entanto vive-se um paradoxo difícil de resolver: como estar com alguém quando nada de bom há para se dar ou até só para emprestar?
É aqui que a escolha da pessoa com quem se pode estar tem de ser cuidadosa. Nem toda a gente de quem gostamos tem disponibilidade para nos acompanhar em períodos em que, muitas vezes, a última coisa que queremos é que nos façam perguntas, que fiquem inquietos porque estamos calados, que aceitem que há um tempo para se estar bem, mas que o mal não é nenhum drama irresolúvel.
Mas saber estar só também exige alguma aprendizagem e alguma capacidade de imaginar o presente e o futuro.
Ao longo da vida, nas suas fases mais complexas, podemos ter a tentação da chamada “síndrome da bóia de salvação”, que não sendo propriamente uma doença pode levar a intricados caminhos de onde não sabemos sair com leveza.
É a passagem do estado de acompanhado a só e o caminho inverso, que tem etapas e tempos que, quando são acelerados, deixam ficar bocados agarrados, depois mais difíceis de despegar.
Por muito que isso pareça difícil, mais vale aprender a nadar, para quando for necessário fazê-lo sozinho, do que à primeira borrasca agarrar-se a uma qualquer bóia, que nos apetece largar mal chegamos a terra e não sabemos como.
Mas, que diabo, uma boa companhia é sempre agradável, e depois logo se vê!

Dr. José Gameiro, "Crónicas" - Edições Afrontamento


Wednesday, January 18, 2006

Temeridade

"Tu não vives na minha cabeça e por isso não sabes ... E as palavras, essas, que me podiam ajudar, quando crescem na boca, seguem contíguas à saliva. Tu não vives em mim e não podes saber..."
G.S.

Friday, January 13, 2006

Um conto...

"Morava naquela casa fazia hoje 32 anos. Tinha-a encontrado, na altura, com o seu amigo, companheiro, namorado e noivo. Depois de muito procurarem e fazerem contas, aquela era “a casa”. Sita num bairro tipico de lisboa, num prédio de 4 andares sem elevador, e o deles, seria o 4º andar, pois o dinheiro não chegava para um dos pisos mais próximo do chão, e assim estavam mais próximos do Céu. No mesmo dia que casaram, ali passaram a noite de núpcias. E as restantes noites de uma vida em união. Ficariam mais unidos devido a um problema de saúde que não os deixaria ter descendentes. Pensaram na adopção, mas as burocracias e problemas levantados, fizeram-nos descrentes de o sistema alguma vez lhes atribuir uma criança. O amor que sentiam, davam e retribuiam entre eles os dois. O Universo era restrito a eles. Viviam um para o outro e apesar de uma vida em comum de tantos anos, sempre tiveram a capacidade de se surpreenderem um ao outro, de rirem um do outro e deles mesmos, de superarem os momentos menos felizes e de se apoiarem neles. E lá estiveram, 29 anos juntos. Um dia, ele demorou a voltar a casa. Ela aguardou por ele na pequena varanda, aquilo que sentia ser uma eternidade. Estremeceu, apesar de não estar frio. Vieram umas lágrimas aos olhos e foi quando ela sentiu, que ele não voltaria nesse dia. Nem no outro. Nem no outro…. Tinha perecido, e estava muito mais perto do Céu que aquele 4º andar deles. Ela acabaria por se isolar. As vizinhas já não eram as mesmas que tinha conhecido aquando da ida para aquele prédio. O 4ºandar ficava cada vez mais distante quando vinha à rua fazer umas compras. Devido ás novas tecnologias , agora pedia para lhe irem entregar as compras a casa. E a sua mobilidade estava restrita áquele apartamento que conhecia como a sua palma da mão. Só tinha contacto com o mundo quando vinha á varanda ver a junção do dia com a noite. Era a parte do dia que ela não abdicava nem mesmo por motivos de doença. E assim foi, até a este mesmo dia em que a junção da noite com o dia a levou para junto do Céu."
Sandra Garcia

Monday, January 09, 2006

Provérbio árabe

"Quem não compreende um olhar também não compreenderá uma longa explicação."

Provérbio indiano

"Quando falares, procura que as tuas palavras sejam melhores que o teu silêncio."

Provérbio chinês

"Se fores paciente num momento de ira, escaparás a cem dias de tristeza."

Friday, January 06, 2006

Apenas

Foi mãe sem nunca ter parido
e tia sem se lhe conhecerem irmãos.
Foi quase tudo sem ter nada
e do nada conseguiu dar tudo!
Sandra Garcia

Wednesday, January 04, 2006

Mentir é feio

Odeio a mentira. Não posso generalizar esta questão pois há mentiras e mentiras. Sei que toda a gente mente um pouco, para bem de fulano ou cicrano, para nosso bem também, por uma questão de preguiça física ou mental ou por tudo e por nada. A questão de hoje é a mentira nas crianças. O que os leva a mentir aos pais, irmãos, tios, amigos ou conhecidos. Como e porquê necessitam eles de distorcer a verdade, contornar aspectos que não têm contorno. Sei que se os adultos com quem a criança convive mentirem muito, esta criança poderá também vir a aprender a "distorcer" a verdade. E até onde pode alguém de fora intervir? E até onde podemos ir, numa educação que vemos não estar a resultar e em que só nos apetece sacudir a cabeça desses mesmos aldultos e obrigá-los a ver o que fazem aos seus filhos? Que sociedade é esta que por mais que veja não enxerga nada, nem mesmo no aconchego do seu lar?

Tuesday, January 03, 2006

A miséria do meu ser

A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.

Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.

É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?


Fernando Pessoa