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Thursday, January 19, 2006

A Síndrome da Bóia de Salvação

Há alguns dias, perto da passagem do ano, tentava convencer alguém a não o fazer sozinho, apesar da insistência com que afirmava que lhe apetecia estar só.
Depois de alguma reflexão, interroguei-me sobre o direito de cada um de nós estar só, quando muito bem lhe apetecer. Aparentemente não será um direito muito controverso, já utilizado inúmeras vezes por todos nós. Quantas vezes invocámos o ditado popular “antes só que mal acompanhado” para justificarmos uma hora ou uma parte da vida sem relações privilegiadas.
Mas o que estava em causa neste episódio eram as vantagens ou desvantagens de se ficar só numa data com algum peso emocional, quando não se está feliz.
Quantas vezes, estando bem, já nos aconteceu querer ficar sem companhia e ter algum gozo na solidão, imaginando que somos a pessoa mais desgraçada do mundo, chegando a um estado de auto compaixão que tem qualquer coisa de lúdico.
No entanto, passar pela situação de se ficar só quando as coisas já não estão a correr bem não é uma experiência muito agradável. E no entanto vive-se um paradoxo difícil de resolver: como estar com alguém quando nada de bom há para se dar ou até só para emprestar?
É aqui que a escolha da pessoa com quem se pode estar tem de ser cuidadosa. Nem toda a gente de quem gostamos tem disponibilidade para nos acompanhar em períodos em que, muitas vezes, a última coisa que queremos é que nos façam perguntas, que fiquem inquietos porque estamos calados, que aceitem que há um tempo para se estar bem, mas que o mal não é nenhum drama irresolúvel.
Mas saber estar só também exige alguma aprendizagem e alguma capacidade de imaginar o presente e o futuro.
Ao longo da vida, nas suas fases mais complexas, podemos ter a tentação da chamada “síndrome da bóia de salvação”, que não sendo propriamente uma doença pode levar a intricados caminhos de onde não sabemos sair com leveza.
É a passagem do estado de acompanhado a só e o caminho inverso, que tem etapas e tempos que, quando são acelerados, deixam ficar bocados agarrados, depois mais difíceis de despegar.
Por muito que isso pareça difícil, mais vale aprender a nadar, para quando for necessário fazê-lo sozinho, do que à primeira borrasca agarrar-se a uma qualquer bóia, que nos apetece largar mal chegamos a terra e não sabemos como.
Mas, que diabo, uma boa companhia é sempre agradável, e depois logo se vê!

Dr. José Gameiro, "Crónicas" - Edições Afrontamento


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